Serão os juízos estéticos
uma questão de gosto? Se forem, podemos afirmar, orgulhosamente como o
provérbio, que gostos não se discutem. Contudo, a nossa resposta não poderá ser
esta ou, pelo menos, de forma perentória. De que falamos quando usamos a palavra
estético? O que é ou não estético? Qual a natureza dos juízos estéticos?
Para a abordagem ao conceito de
‘estética’ existem três respostas: a noção de experiência estética, a noção de
atitude estética e a que defende a existência de propriedades estéticas. Desta
forma, as teorias “orientadas para o sentimento [noção de experiência estética]
destacam geralmente uma forma especial de prazer, o prazer estético. As teorias
da atitude estética destacam um tipo especial de estado psicológico, a atenção
desinteressada. As teorias orientadas para o conteúdo destacam um tipo
particular de qualidades ou características que se podem encontrar em certos
objetos, as propriedades estéticas”. Na distinção do que é ou não é estético,
qualquer uma desta três abordagens apresenta dificuldades. Contudo, em vez de
descrever quer uma atitude do sujeito que tem a experiência, quer o seu
conteúdo, a primeira resposta, a experiência estética, “centra-se diretamente
na emoção particular inerente à própria experiência”.
Immanuel Kant, através da obra Crítica
da Faculdade do Juízo, datada de 1790, debruça-se sobre esta
problemática. O juízo estético, que é expressão da experiência estética, é
determinado por uma experiência ou sentimento subjetivo. Que tipo de sentimento
será este? Para o autor é o sentimento de prazer ou desprazer, como afirma ao
dizer que “para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação,
não pelo entendimento ao objeto com vista ao conhecimento, mas pela faculdade
da imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de
prazer ou desprazer”. Afirmar que a experiência estética se carateriza pelo
sentimento de prazer ou desprazer, parece-nos que não basta, razão pela qual o
autor vai desenvolver esta característica, como veremos mais à frente. Por
agora, centremo-nos nesta ‘faculdade de imaginação ligada ao sujeito e ao seu
sentimento’ que deixa adivinhar a sua posição subjetiva em relação à natureza
dos juízos estéticos que, como o próprio reafirma ao dizer que “o juízo do
gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte não é lógico e
sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão
subjetivo”. Para reforçar a ideia do subjetivismo, Kant continua no
mesmo parágrafo do texto da Crítica da Faculdade do Juízo a afirmar que embora toda a referência
a representações, mesmo as das sensações possa ser objetiva, ela não poderá ser
quando se refere ao “sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é
designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito se sente a si
próprio do modo como ele é afetado pela sensação”.
O juízo do gosto, que é
predominantemente o juízo do belo, é um juízo estético que é inteiramente
determinado por uma experiência ou sentimento subjetivo. Mas será o sentimento
de prazer ou desprazer suficiente para distinguir a experiência estética de
outras experiências que dificilmente classificaríamos de estéticas? Como por
exemplo: o prazer que me dá comer a minha comida preferida é diferente do
prazer que sinto ao ver o meu trabalho reconhecido; o desprazer que me dá beber
água fria é diferente do desprazer de ver palácios em ruínas. Perante esta
dificuldade em distinguir experiência estética de outros tipos de experiência,
Kant responde ao dizer que a experiência estética não é um prazer qualquer, mas
um ‘comprazimento desinteressado’, ou seja, “cada um tem que reconhecer que
aquele juízo sobre a beleza, ao qual se mescla o mínimo interesse é muito
faccioso e não é nenhum juízo de gosto puro. Não se tem que simpatizar
minimamente com a existência da coisa, mas pelo contrário ser a esse respeito
completamente indiferente, para em matéria de gosto desempenhar o papel de
juiz”.
Podemos, então, distinguir
quatro caraterísticas fundamentais no pensamento de I. Kant para a definição do
juízo estético: primeiro, o juízo estético é um juízo
subjetivo, ou seja, o prazer que sentimos daquelas experiências que
achamos belas depende dos sentimentos do indivíduo e não são propriedades dos
objetos. Sendo o juízo estético um juízo do gosto é um juízo subjetivo, ao
contrário dos juízos cognitivos, que são juízos objetivos.
Mas quando afirmamos que um
juízo estético depende dos sentimentos do sujeito não queremos dizer que o
juízo estético diz respeito aquilo que é belo apenas para mim. Aqui entra a
segunda característica dos juízos estéticos, segundo Kant, a universalidade.
Dizer que «isto é belo» é dizer, não só, que a beleza precisa de ser apreciada
subjetivamente, mas ao declararmos que algo é belo estamos a querer dizer que
há qualquer coisa nesse objeto que fará que qualquer outras pessoas, nas mesmas
condições, deveriam ter o mesmo tipo de sentimento de
prazer, ou seja, os juízos estéticos têm a mesma validade universal. O que por
vezes muda são as condições, mas “se as condições fossem exatamente as mesmas,
não haveria divergência de gostos, pois as nossas faculdades, incluindo a
faculdade do gosto, funcionam de forma idêntica em todos”. Quando referimos que
nas mesmas condições qualquer pessoa deveria ter o mesmo tipo de sentimento,
segundo a perspetiva Kant, estamos aqui a introduzir uma outra dimensão, a
dimensão da normatividade que aparece associada à dimensão da universalidade,
ou seja, o juízo de gosto é considerado universal quando ele é válido não
apenas para quem o profere, mas para todos. Neste sentido, independentemente do
gosto ou das preferências de cada um, quando consideramos algo de belo o juízo
que emitimos deve ser, ou procurar ser, aceite por todos.
Interessante é a forma como
Kant enquadra duas caraterísticas que parecem estar em contradição: a
subjetividade e a universalidade/normatividade. Kant acaba por refutar a
posição do subjetivismo radical, que defende que os juízos estéticos têm apenas
validade individual, dependem absolutamente das preferências individuais de
cada sujeito.
A terceira caraterística, como
já o afirmamos, consiste na afirmação de que o juízo estético é desinteressado,
ou seja, “assenta num tipo de resposta da parte do sujeito que é independente
de quaisquer finalidades práticas”. Neste sentido, o juízo estético é desinteressado de qualquer interesse prático ou de
qualquer necessidade do sujeito, distinto do que é agradável porque “é o que
apraz aos sentidos na sensação” e distinto do que é bom porque
“denominamos bom para (útil) algo que apraz somente como meio”. Podemos ainda
afirmar que o prazer estético é desinteressado porque não requer a existência
real dos objetos, é um “prazer contemplativo, pois
consiste no mero comprazimento pela coerência das formas percecionadas”.
Por fim, a quarta
característica é a de que o juízo estético é um juízo imaginativo, “a
experiência que tal juízo exprime não é apenas sensorial, envolvendo também as
faculdades da imaginação e do entendimento numa espécie de jogo entre si,
liberto de quaisquer regras e sem qualquer propósito ulterior”.
Para Kant um outro juízo de
gosto que se distingue dos juízos sobre o belo são os juízos sobre o sublime. E
entre os juízos do belo e juízos do sublime existem diferenças. Enquanto o
“belo da natureza concerne à forma do objeto, que consiste na limitação; o
sublime, contrariamente, pode também ser encontrado num objeto sem forma, na
medida em que seja representada nele uma ilimitação”. Se o belo diz
respeito a um ‘sentimento de promoção da vida’, por sua vez o sublime comporta
uma “inibição de forças vitais e pela efusão imediatamente consecutiva e tanto
mais forte das mesmas”. Enquanto um diz respeito à qualidade (belo) o outro
representa a quantidade (sublime), “quando somente magnitude e poder se deixam
ver”. Distinto do belo, o sublime é um juízo estético que brota do espanto, do
medo, do respeito perante os aspetos extraordinários da natureza, mas não se
trata apenas da constatação dos fenómenos poderosos da natureza e da sensação
de fragilidade perante os mesmos, é, sobretudo, a constatação de que a
liberdade moral do sujeito é “infinitamente maior que a própria natureza”.
Contrariamente ao objetivismo,
acerca da natureza dos juízos estéticos, que defendem que os juízos estéticos
são propriedades que os objetos por si só possuem, ou seja, são verdadeiros ou
falsos em função das suas propriedades e não em função do sujeito que
perceciona. Distinto do subjetivismo radical, como já o afirmámos, a posição de
I. Kant inscreve-se na mesma de David Hume, o subjetivismo moderado, sendo que
para este último o ‘padrão do gosto’ é o critério segundo o qual os juízos
estéticos são verdadeiros ou falsos.
Júlio Maria
Sem comentários:
Enviar um comentário