quinta-feira, 18 de maio de 2017

A questão da objetividade no desenvolvimento científico

É inegável o valor que a ciência tem na nossa vida do dia-a-dia, não por considerarmos que tudo aquilo que se diz científico é verdade, mas porque esta tem implicações na vida do ser humano, na forma como adquire e desenvolve o conhecimento. Mas, como é que a ciência progride?

Para responder a esta questão depressa diríamos que a ciência progride através do seguinte método científico: o cientista, na sua imparcialidade, observa um vasto conjunto de casos e depois desta observação estabelece uma teoria. Esta teoria será boa se for capaz de explicar não só o que está a acontecer, mas se for capaz de prever o que seja provável que aconteça no futuro. Se os resultados futuros não se coadunarem com a teoria, o cientista reformula a sua teoria. Como existe uma grande regularidade na natureza é possível generalizar e até estabelecer previsões com precisão. Embora possa ser um método científico “surpreendentemente comum, mesmo entre os cientistas ativos”, que progride de uma forma linear e cumulativa, este método apresenta sérias dificuldades, uma vez que se apoia na indução e não na dedução. A indução e a dedução são dois tipos diferentes de argumentos. Um argumento indutivo envolve a observação e a experimentação. Por sua vez é a indução que nos leva a pensar que o futuro, de acordo com a regularidade dos fenómenos na natureza, será igual ao passado, mas a previsão pode estar errada, uma vez que os “argumentos indutivos com premissas verdadeiras pode ter ou não ter conclusões verdadeiras”. Um argumento dedutivo parte de premissas verdadeiras e a sua conclusão tem de ser verdadeira. É inegável o valor e a importância que a indução assume nas nossas vidas, sem o qual não conseguiríamos supor que o futuro será igual ao passado, por outro lado, também é verdade que este mesmo princípio não é inteiramente fidedigno. Como pode, então a ciência, não ser fidedigna quando esta tem por base a teoria indutivista? Para os indutivista a indução é fundamental na ciência porque permite adquirir ou acrescentar conhecimento e, assim, esta evolui de forma linear e cumulativa.
Ainda para os que defendem a teoria indutivista, a “indução (…) está duplamente presente no método experimental: tanto na descoberta [observação dos factos e elaboração das hipóteses] como na justificação de teorias [confirmação das hipóteses e estabelecimento de leis]”.
Assim como Hume, Karl Popper também não encontra uma justificação adequada para o raciocínio indutivo, isto não quer dizer que ponha em causa a ciência, pelo contrário, a ciência não necessita do método indutivista, mas do método dedutivista, uma vez que o que é “racional esperar de uma teoria científica não é que ela seja empiricamente verificável, mas antes que seja empiricamente testável”. O testar a que nos referimos não é encontrar argumentos que procurem reforçar a teoria, antes, é tentar falsificá-la, ou seja, a falsificabilidade das teorias é o critério de cientificidade. Uma boa teoria científica para Popper é uma teoria corroborada, ou seja, “nunca podemos estar certos de que alcançamos a verdade, mesmo que a tenhamos realmente alcançado”. Segundo a perspetiva falsificacionista o progresso e o desenvolvimento da ciência faz-se através de eliminação de “erros: através de teorias que são falsificadas e substituídas por outras melhores. Neste sentido, há um certo grau de tentativa e erro na ciência”. Mas como é que a ciência, segundo a perspetiva de Karl Popper, progride? Se as teorias atuais forem apenas diferentes, não haverá evolução, mas se as teorias forem melhores do que as anteriores, então há progresso porque se acrescentou novo conhecimento porque “só sobrevivem as teorias que melhor resistem aos testes de falsificação e que tiveram maior poder explicativo”. Neste sentido, é de realçar o conceito de verosimilhança, conceito que permite explicar a sua teoria, ou seja, “uma teoria científica é mais verosímil que outra quando implica um menor número de falsidades e permite explicar um maior número de fenómenos do que a sua concorrente”.
Quer a perspetiva indutivista acerca do desenvolvimento da ciência e quer a perspetiva de Karl Popper afirmam que a ciência evolui de forma estritamente racional. A contrastar com a abordagem lógica e racional de Popper, Thomas Kuhn baseia-se numa “abordagem histórica e sociológica, caracterizando o comportamento dos cientistas”[. Para este professor de história da ciência e de filosofia da ciência não há uma “lógica ou metodologia científica única, a partir da qual seja possível caraterizar corretamente a ciência”. Desta forma, para Kuhn é preciso olhar para o que acontece aos cientistas, analisar os fatores que os motivam e o que os condicionam e não perspetivar a ciência apenas por alguns exemplos ao longo da história e, por este motivo, demarca-se de Popper uma vez que este “caiu no erro de tomar a parte pelo todo”.
Da observação da história e dos fatores que condicionam os cientistas, Kuhn encontra dois tipos de situações: a ciência normal e a ciência extraordinária. Sendo que a ciência normal é o que comumente acontece, a ciência extraordinária é aquela que ocorre em períodos raros de revolução científica e por cientistas extraordinários. Esta perspetiva deixa adivinhar que a ciência é feita por períodos longos de ciência normal e por breves tempos por ciência extraordinária. Nos períodos de ciência normal os cientistas apenas esclarecem e elucidam conceitos fundamentais de forma acrítica e a ciência é determinada segundo as regras e modelos de um paradigma. Mas o que é um paradigma?
Um paradigma é “um conjunto de crenças, técnicas e valores compartilhados por uma comunidade que serve de modelo para a abordagem e soluções de problemas”. É aqui que se inscreve a ciência normal que é responsável por resolver as questões que surgem dentro de um determinado paradigma. Se apresentámos os critérios de demarcação de verificabilidade e de falsificabilidade, Kuhn apresenta-nos o seu critério de demarcação que permite distinguir a ciência da não-ciência: paradigma. Assim para haver ciência é necessário que uma prática ou teoria possa estar dentro de um determinado paradigma, aceite por uma comunidade científica. E “sem paradigma não há ciência: as tentativas avulsas de explicar e de resolver problemas acerca da natureza são característicos dos períodos pré-científicos”. A pré-ciência caracteriza-se então por uma “ausência de uma teoria bem articulada e amplamente aceite”, mas enquanto houver problemas que encaixem nas soluções que o paradigma prevê, a ciência normal funciona adequadamente. O problema é quando aparecem problemas inesperados e que não se enquadram no paradigma. Sem colocar em causa, a função do cientista na ciência normal é alargar o âmbito do alcance do paradigma. A atitude do cientista, ao contrário do que Popper considerava, é uma atitude dogmática que, em vez de procurar falsificar as hipóteses procuram, antes, defender e não detetar falhas.
Pela resolução de enigmas, o período de ciência normal é um período de progresso e desenvolvimento científico que, embora não ponha em causa o paradigma existente acrescentam novo conhecimento. Mas o que acontece quando um paradigma não satisfaz, quando não se consegue explicar à luz do paradigma aceite e vigente? A isto Kuhn chama de anomalias, que “quando se acumulam são responsáveis por uma crise científica: por muito que se tente eliminá-las, os cientistas não conseguem fazê-lo, começando então a duvidar do paradigma em que sempre trabalharam”.
É, precisamente, na altura que a ciência normal entra em crise que surge a ciência extraordinária. Embora esta se revele por períodos breves, como já o afirmámos, pode significar, por um lado, o ajuste de um paradigma e a confiança neste mantem-se ou, por outro, o abandono do paradigma. A ciência extraordinária significa o progresso desta, por cientistas extraordinários, em tempo de crise.
Nos períodos de crise científica, em que o paradigma vigente não explica adequadamente, existe uma tensão e uma desorientação, entre deixar o paradigma vigente e optar por um outro paradigma. Mesmo assim, há cientistas mais inovadores e outros mais conservadores. Este período é um período excecional, é o período da revolução científica, “em que determinada forma de ver e de explicar o mundo é substituída por outra, ou seja, em que ocorre uma mudança de paradigma”. O conceito de revolução aqui introduzido, segundo o pensamento de Kuhn, realça bem este período de mudança, de um para outro paradigma e todos eles são desparamente incomensurável, ou seja, “que não há pontos comuns entre eles, a partir dos quais possam ser comparados entre si”.
Porque a ciência se baseia numa abordagem histórica e sociológica, tendo em conta os cientistas, o seu contexto, será difícil estabelecer critérios objetivos para que estes mudem de paradigma, razão pela qual “diferentes cientistas podem ter diferentes motivações quando optam por uma teoria e aderem ao novo paradigma”.
Júlio Maria

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