quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Valores e Cultura

Na compreensão do ser humano há dois aspetos fundamentais da sua existência que saltam à vista: por um lado, a sua componente somática e o meio ou ambiente onde se encontra e desenvolve a sua atividade, por outro. Na consideração de um e de outro somos levados a concluir que o ser humano é um ser histórico e um ser cultural. Produto de uma cultura e produtor de cultura. Enquanto produto, podemos entender o ser humano não só como património biológico, mas como património cultural das gerações que o precederam e que foram constituindo e construindo o seu próprio mundo pessoal, a partir do qual tudo é conhecido e valorizado. Enquanto produtor de cultura, considerando a herança passada, o homem jamais deixará de ter ressonância na história.

O conceito de cultura é um conceito dinâmico e mutável, o que exige que este conceito seja um conceito em aberto, em constante formação concomitante ao próprio acontecer humano. Em termos gerais, podemos considerar que a cultura abarca toda a produção humana, material e simbólica, dotada de sentido. Isto remete para qualquer atividade humana significativa e, por esta razão, é um “conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por contraste ao que é inato”.
Conscientes da dificuldade em estabelecer uma definição para o conceito de cultura há quem opte por apontar algumas características: trata-se de um fenómeno universal; é produção e produto; o ser humano é ao mesmo tempo sujeito e objeto da cultura; tem uma estrutura interdependente; tem um centro enquanto correspondência da realização da atividade humana; existe uma pluralidade de culturas.
Se a cultura “designa tudo aquilo que é produzido pelo ser humano”, implica desta forma um equilíbrio na diversidade que só será alcançado através do diálogo, de onde sobressai a “virtude moral indispensável para a relação com o outro e com o diferente”. Não se trata da virtude da igualdade, em que tratamos os outros como iguais a nós, não se tratada virtude da justiça, como quem dá o que é justo a ambas as partes, mas é a virtude da tolerância que nos referimos, a única que permite, através do diálogo e perante a diversidade, ao ser humano sair enriquecido tornando-o construtor da harmonia, da paz e da justiça social. A tolerância não pode ser entendida de forma passiva, como se de uma condescendência se tratasse, mas de uma forma dinâmica e ativa tornando-se o motor do “exercício pleno da justiça social, política, cultural e cognitiva”.
Mas será que “culturas diferentes têm códigos morais diferentes”? Para o relativismo moral “não existe verdade universal em ética; existem apenas os vários códigos morais e nada mais”, ou seja, para esta teoria o código moral de uma determinada cultura é apenas um entre muitos, onde nenhum assume um estatuto ou lugar especial. Isto significará que existe um código moral em cada cultura, sabendo, cada uma delas, afirmar o que é certo ou errado, correto ou incorreto, belo ou feio.
A par desta perspetiva acerca dos valores ou códigos morais, temos a tendência de distinguir cultura com a ideia de sociedade, tendo em conta apenas a sua localização geográfica. Contudo, muitas sociedades atuais não são culturalmente heterogéneas e, num mesmo espaço, coexistem pessoas e grupos de diferentes comunidades culturais, são as denominadas sociedades multiculturais. O autor João Maria André define multiculturalidade e distinguindo-a da noção de multiculturalismo, ao afirmar que a multiculturalidade tem “um conteúdo fundamentalmente descritivo, significando a existência de uma pluralidade de culturas numa proximidade geográfica”, em contrapartida, o multiculturalismo corresponde “à designação atribuída a algumas políticas de resposta ao fenómeno da multiculturalidade”.
A realidade do multiculturalismo, enquanto fator de diversidade cultural, apresenta-se como um desafio para as diversas áreas do saber a agir humano: para a Filosofia, para o Direito, para a Religião, para a Política. Este desafio, que no limite é colocado a todo o ser humano, surge como forma de garantia: a garantia de acesso a bens e serviços e a garantia da não exclusão.
Diferente do monoculturalismo e do interculturalismo (este modelo assenta no princípio da discriminação positiva), o multiculturalismo apresenta-se como um modelo que procura defender a coexistência de diferentes culturas onde as minorias têm direito de serem diferentes. Na prática, sob a égide do multiculturalismo, o relativismo pode “promover a abertura ao individualismo e ao particularismo, à ausência de valores comuns e à segregação”.

Júlio Maria

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